Ponto zero


E ali ele estava, em seus passos calculados e desengonçados, os olhos dispersos e a mente em um turbilhão de questionamentos efêmeros. Eles tampouco chegavam a se formar com solidez, sendo submissos a si mesmos. Perguntas que fazia a si e que eram certamente surpreendentes, mas que nunca se solidificavam ao ponto de um objetivo. Ele baseava-se no tampouco. Tampouco adiantariam questionamentos sem respostas e tampouco adiantariam respostas se seus questionamentos eram irrefutáveis. Assim ele era. Tampouco importava-se em ser consumado.

Caminhava sem destino, observando com desinteresse os transeuntes que pareciam estar sendo vítimas de uma pressão ofuscada. O suor escorria-lhe as faces e havia certa pressa nos passos atropelados. Era algo estranho, certamente, aquela afobação. Ou talvez fosse apenas sua placidez inerente que o fazia um ponto errante. Assim ele era. Sempre vivendo a um passo atrás da realidade. Uma vantagem ou desvantagem em pontos de vista. Em passos lentos, ele chegara ao centro movimentado da avenida. Os sons, as cores, as nuances. Tudo parecia, de alguma forma, ali acentuado. Nada que os outros, com seus olhos sempre desatentos, pudessem reparar.

A rotina vulgarizava. Mas ele não a sentia por não a viver. Os dias flutuavam sob seus olhos. Ou talvez fosse ele quem flutuava sobre os dias. Tampouco importava, sim. Tampouco. Mas ele esperava, com paciência leal e recriminada pelos de fora, que por fim o sinal vermelho determinasse o desgovernado movimento dos motoristas apressados. O verde convertera-se ao gritante laranja de alerta que, em minutos lânguidos, assumira o forte tom vermelho. Talvez fosse irrelevante a descrição minuciosa daquele ciclo rotineiro, mas daquela usualidade surgira tão repentinamente o que ele observara. A realidade, por um momento, parecera ser jogada para cima dentre estrelas e meteoros. Dentre as bifurcações da avenida os tons vermelhos haviam se encontrado, pela primeira vez, em sincronia irreversível. O sinal indicava a ordem e ali, onde as nuances e os sons pareciam sempre estar tão atentos, haviam se dissipado naquele estagnar imperceptível.

O ponto zero. O dissipar da pressão. Movimento contido. Havia não a lentidão, mas o silêncio em um absoluto quase duvidoso. Não haviam vozes, apenas olhares indecifráveis. Meias-palavras não pronunciadas. Braços não estendidos. Questionamentos não solidificados. O sinal determinava, no vermelho gritante, a realidade que, subitamente, fora jogada ao alto e caído bruscamente.

E fora, certamente, uma curta usualidade. Para ele, porém, mais do que isso. Fora mais do que o simples e do que o rotineiro. Haviam sido as engrenagens da realidade que, em um momento, haviam parado. Jogada ao alto – em ponto zero – e caído bruscamente. E então, inerente de sua parte, questionara-se o porquê. Ele sempre funcionara por engrenagens paradas. Ele nunca, junto a realidade, levara a queda brusca. Sempre estivera flutuando sobre ela. Sempre estivera em ponto zero.

3 comentários:

Alexandre disse...

PUUUUUUTZ, tá muito bom, Matheus. Eu já disse que adoro o modo como tu narra a vida de algum ser sobre tua ótica? (Isso tá estranho, btw). Mas enfim, adoro adoro MESMO. tu usa muito bem as palavras e isso tá ótimo. Congratulations.

Gui Spiralling disse...

Bela descrição de fatos narrados logicamente e inlogicamente divagando sobre as divagações divagadas sobre as divaguras, maravilhosamente maravilhoso maravilhosando a maravilha, lindamente lindando a lindação da lindadura lindar. :)

Maíra F. disse...

Eu acabei de dizer no outro comentário que aquele tinha sido um dos que eu mais gostei, mas vou ter que me repetir nesse hahaha. Um dos textos seus que eu mais gostei ever! De novo! Tão introspectivo e abstrato, sei lá. Adoro. Aliás, adoro quando você escreve coisas introspectivas :)

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